Erasmo Carlos - Sonhos e Memórias


Erasmo Carlos é pra mim o verdadeiro marginal do Rock Brasileiro. Não pela sua conduta pessoal, mas pelo fato de ter estado sempre à margem de tudo o que era feito a seu redor, na sua longa carreira solo. Não foi para o caminho do "popular romântico" a exemplo do companheiro Roberto Carlos, nem para o lado da psicodelia de alguns discos da época (Ronnie Von, Arnaldo Baptista), muito menos fez samba-rock, embora Mané João, segunda faixa desse disco, seja mais interessante do que 80% do repertório repetido, exaurido e banalizado das horrorosas festas de samba-rock e "brasilidades" que rolam por aí. Isso sem contar que é difícil até tentar comparar a obra de Erasmo com a de outros "marginais" radicais e esquecidos da cena brasileira a partir dos anos 70, como Walter Franco, Jards Macalé e outros.

Erasmo passa à margem de tudo, e talvez por isso seja tão pouco lembrado pelo que fez de melhor em sua carreira-solo. Pra mim, especificamente entre 1971 (ano de lançamento do incrível Carlos, Erasmo) e 1978, marcado por Pelas Esquinas de Ipanema que traz o inesquecível clássico Meu Ego (devidamente interpretado/estragado na época por uma estridente e envelhecida Nara Leão). Na difícil tarefa de escolher um àlbum só para postar, eu fiquei com o Sonhos e Memórias, de 1972 que, se não é o melhor de sua carreira, é sem dúvida o mais pessoal, intimista e contemplativo.

Erasmo começa o disco falando de sua infância no Largo da 2a Feira, na Tijuca, e segue citando memórias, anseios pessoais, e até mesmo relendo um sucesso de sua época de Jovem Guarda (É Proibido Fumar, numa versão direta, seca e forte). Além dessa honestidade lírica, por assim dizer, o que mais impressiona no álbum é a sofisticação e simplicidade dos arranjos e melodias. É até difícil comentar músicas tão atuais e marcantes como Meu Mar, Sábado Morto e Grilos. São melodias belíssimas, adornadas por arranjos quase minimalistas e pela voz pequena e errante do "Tremendão" (apelido que perde totalmente o sentido quando ouvimos esse disco, que transcende sem cerimônias a estética roqueira da jovem guarda).

Eu acho que o Erasmo Carlos é um dos caras mais injustiçados da música brasileira. Como músico, ele ficou totalmente preso a essa "imagem" da Jovem Guarda, por vezes se anulando por ser o "patinho feio" meio "rebelde" da dupla Roberto/Erasmo. Suas melhores composições nunca foram regravadas até pouco tempo atrás, quando artistas mais hypados do que deveriam como Los Hermanos e Marina Machado (com Sábado Morto e Grilos, respectivamente) resolveram desenterrar essas pérolas absolutamente geniais e irritantemente pouco conhecidas.

Erasmo merecia mais. Merecia, principalmente, não precisar criar uma paródia de si mesmo para ser reconhecido e lembrado. Esse álbum é uma das obras mais impactantes pra mim de todo o Rock Brasileiro. É impossível ouvir Meu Mar sem ter certeza absoluta que a música foi feita, no mínimo, 30 anos depois do que de fato foi. Erasmo é o veterano mais contemporâneo do Rock Brasileiro.

PS- Essa versão que eu tenho do Sonhos e Memórias tem umas 2 faixas bônus, ao vivo. Baixe, ouça, mostre pros amigos...isso é FODA!